A abertura de novas vagas para graduação em Medicina
A Federação Nacional dos Médicos (FENAM) defende que sejam estabelecidas regras claras e efetivas para abrir, credenciar e meios de fiscalização e controle para renovar os credenciamentos de cursos de Medicina no Brasil. O objetivo é garantir a qualidade dos cursos oferecidos, a boa formação do profissional médico e a segurança do paciente.
Na avaliação dos cursos de Medicina realizada pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de 2019, da qual participaram 232 instituições de ensino superior, 75% das 100 instituições públicas participantes tiveram nota igual ou superior a 4 (a nota máxima era 5). Entre as instituições particulares, 67% obtiveram nota igual ou inferior a 3.
Essa avaliação, no entanto, não dá a real dimensão da preocupação com a qualidade do ensino. Primeiro porque houve uma proliferação de cursos preparatórios para o Enade, o que leva a crer em uma provável distorção dos resultados. Além disso, na prática, o baixo desempenho dos estudantes reflete a falta de estrutura de boa parte dos cursos existentes, tanto no que diz respeito à composição do corpo docente (disciplinas de áreas médicas ministradas por professores não médicos) quanto à inexistência ou insuficiência de hospitais-escolas – (a formação médica prevê a inserção do estudante em contextos reais da prática médica desde os primeiros semestres da graduação em hospitais-escolas ou unidades do SUS).
Cabe, também, ressaltar que o critério de autorizar a abertura de cursos de Medicina em locais com carências de profissionais da área não configura medida suficiente e efetiva para garantir um processo de interiorização da assistência médica. A própria expansão de instituições de ensino médico, por si só, contribui para a concentração de estudantes em regiões mais desenvolvidas.
A pesquisa Demografia Médica no Brasil 2023 indica que, ao passo que, entre 2010 e 2019, houve aumento de ingresso de estudantes em cursos de Medicina na Região Centro-Oeste da ordem de 2,8 pontos percentuais, na Região Norte a variação foi no sentido oposto: houve um decréscimo de -2,4 pontos no percentual de ingressantes nos cursos oferecidos.
O interesse na expansão indiscriminada tem âncora no mercado da educação privada. Com um valor médio de mensalidade de R$ 9.044,93, a receita potencial de faturamento dos cursos de Medicina privados é da ordem de R$ 20,9 bilhões, considerada a ocupação de todas as vagas já autorizadas pelo Ministério da Educação. A abertura de novos cursos ou ampliação de vagas nos cursos já existentes não pode ser definida por interesses de mercado em detrimento da qualidade do ensino oferecido e da segurança do paciente.
Existem atualmente 389 escolas médicas em funcionamento no Brasil, sendo 268 privadas. Desde 2018, quando entrou em vigor a Portaria 328, do MEC, 204 pedidos de credenciamento e de expansão das vagas existentes foram sobrestados no Ministério. E mesmo durante a vigência da moratória imposta em 2018 não impediu a abertura de 1.100 novas vagas em cursos de Medicina já existentes, sem garantia de qualidade de ensino e cenários de prática.
Em 2021, 24,2 mil novos médicos entraram no mercado de trabalho. Em 2022, novos 26,4 mil médicos se formaram – número superior à oferta de vagas no recentemente relançado Programa Mais Médicos. Projeções indicam que, mantida a quantidade de vagas nas escolas médicas brasileiras, o País terá mais de 1 milhão de médicos em 2035 – uma proporção de 4,4 médicos para cada grupo de 1 mil habitantes, superior à média dos 38 países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).
A expansão da estrutura do SUS, no entanto, não acompanha esse ritmo de crescimento. Não há oferta de estrutura, condições de trabalho e de vida nem salariais para fixação de médicos nas localidades mais vulneráveis. Tampouco aumenta na medida adequada a oferta de programas de residência médica para formação de especialistas nas diversas áreas da Medicina.
A expansão de cursos e vagas, necessariamente deve estar atrelada e limitada pela existência (em dimensão suficiente) de estrutura para oferta de cenários de prática e docentes com formação médica para ensinar nas disciplinas específicas bem como à oferta de programas de residência médica para especialização e à capacidade de oferta de postos de trabalho médico no País. Em paralelo, o governo federal precisa instituir um sistema de fiscalização e avaliação constante das instituições que oferecem cursos de Medicina e fechar os cursos que não ofereçam qualidade adequada de formação.
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