Posicionamento da FENAM sobre o relançamento do Programa Mais Médicos

Notícias27 de março de 2023
Posicionamento da FENAM sobre o relançamento do Programa Mais Médicos

Ao longo dos anos, desde sua criação em 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) nunca foi implementado na sua totalidade no território brasileiro. Entre todos os motivos para isso sobrepõem-se questões de natureza econômica e, acima de todas, a falta de políticas públicas para o desenvolvimento social e econômico com justiça e equidade para o conjunto da sociedade brasileira – contexto em que a assistência à saúde é apenas um de muitos óbices.

Nesse contexto surgiram o Programa Mais Médicos, e o Programa Médicos pelo Brasil, em 2019. O segundo trouxe avanços, tanto no sentido de apaziguar desavenças sociais e políticas quanto de condições para angariar os recursos humanos necessários para a lotação de médicos em serviços de saúde destinados ao cuidado de comunidades desassistidas.

Recentemente relançado pelo governo federal, o Programa Mais Médicos retrocede no que houve avanço, e não traz outro incentivo em relação à versão original além da garantia de licença maternidade e licença paternidade remuneradas aos que nele ingressarem – antes nem esse benefício existia.

É necessário ressaltar que o programa não cria vagas de empregos para a permanência de médicos e estruturação efetiva do SUS nas localidades que pretende atender. Os profissionais brasileiros que integrarem o Mais Médicos não terão direitos trabalhistas como tem qualquer outro trabalhador em emprego formal do País, tampouco contribuição previdenciária patronal.

Essa participação se dá por meio de pagamento de bolsa de formação em modalidade de integração ensino-serviço, conhecida por residência. E, nesse ponto, um novo problema: os preceptores, responsáveis pela orientação nos programas de residência, no caso Residência Médica, devem necessariamente ter formação de especialistas na área em que orientam os residentes. Não há no entanto o cuidado mínimo de previsão e planejamento

para a expansão do Mais Médicos em função do número de especialistas em Medicina

de Família e Comunidade para orientar os participantes.

A concomitante retomada da abertura de novos cursos e expansão de vagas em cursos de Medicina anunciada pelo ministro da Educação no ato do lançamento é outro motivo de preocupação. Desde a aceleração da abertura de novos cursos e novas vagas em cursos de Medicina, na primeira versão do Mais Médicos, o número de médicos no Brasil passou de 388.015 (outubro de 2012) para 566.199 (março de 2023). No entanto, a desigualdade na distribuição desses profissionais pelo território nacional permanece por falta de

política adequada e efetiva de interiorização do Sistema Único de Saúde (SUS).

O ensino médico passou a ser dominado por empresas privadas que se concentram majoritariamente na Região Sudeste, tornando-se um nicho de mercado bilionário. Hoje, as vagas em cursos particulares de medicina representam quase 77% do total das vagas. As

universidades públicas, que deveriam ter papel preponderante tanto na formação dos médicos de Família e Comunidade quanto no aprimoramento de uma política pública de saúde voltada para a interiorização do SUS foram alijadas do processo.

O crescimento do ensino médico na lógica de mercado, sem o devido investimento estatal na Residência Médica, beneficiou tão somente grupos econômicos estritos, em função do lucro, e manteve a concentração da formação (e da oferta de profissionais) nas regiões  Sudeste e Sul, boa parte delas com baixa qualidade no ensino. Empresas privadas que propõem ainda formar especialistas fora dos parâmetros preceituados e legalmente reconhecidos em nosso país. Para a qualidade da formação profissional e do atendimento médico à população isso representa risco.

Cabe pontuar que a legislação brasileira determina ser obrigação dos conselhos profissionais a autorização, a fiscalização e o zelo pelo adequado exercício das profissões regulamentadas por lei. Cada conselho é responsável pela normatização, fiscalização e aplicação de disciplina aos profissionais neles registrados, o que só pode ser feito com a

comprovação de sua formação, com apresentação de diploma, que precisa ser necessariamente reconhecido e válido no Brasil, de acordo com a legislação vigente.

O ingresso no Mais Médicos de pessoas sem diploma legalmente validado impede que

os Conselhos Regionais de Medicina fiscalizem a atuação dessas pessoas ou apliquem as penas disciplinares cabíveis em caso de má atuação ou erro. Quem assegurará, nesse caso, a boa prestação de assistência aos pacientes? 

Por isso, é necessário que todos os que queiram exercer a Medicina no País, se não foram formados por instituições com cursos autorizados pelo MEC, sejam aprovados no Exame

Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituição de Educação Superior Estrangeira, o Revalida.

O Médicos pelo Brasil, cujos avanços foram ignorados pelo atual governo, tem a perspectiva de uma carreira com vínculo de trabalho celetista (direitos trabalhistas garantidos) e mais de 18 mil médicos já selecionados e aptos a começar de imediato a atender a população. Todos eles com a devida inscrição nos Conselhos Regionais de Medicina, demonstrando ter formação profissional compatível com as condições sanitárias e epidemiológicas do País. O que faltou para essas contratações serem efetivadas foi dotação orçamentária.

Fica assim demonstrado que a necessária interiorização da medicina no Brasil  só depende da oferta de estruturas e condições de trabalho e salários adequados.

Enfatizamos que os avanços vistos no Médicos pelo Brasil (e não no novo Mais Médicos) foram grandes, mas não substituem o que vemos como a ação efetiva para a interiorização da Medicina de forma sustentável: a criação da carreira médica de Estado.

A carreira médica de Estado garantiria a perenidade da prestação de serviço público de saúde em todas as localidades, independentemente das mudanças de governo, seja no nível federal, estadual e distrital ou municipal. A estruturação nacional do SUS avançaria e a população não ficaria desassistida.

Por último, é necessário destacar que a interiorização da assistência à saúde da população, e não só da Medicina, é uma necessidade não só no nível da atenção primária, mas também nos níveis de maior complexidade, porque é obrigação do Estado garantir a toda a população o acesso a toda a cadeia de cuidados do Sistema Único de Saúde. Concluímos reafirmando que as políticas públicas para enfrentar as desigualdades econômicas e regionais responsáveis pelos vazios assistenciais existentes devem ter foco na sustentabilidade e continuidade tanto quanto no respeito ao trabalhador da saúde que atuará na ponta do cuidado oferecido à população brasileira.

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