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Terapia preventiva contra o zika pode estar mais próxima
6 de outubro de 2017
Amplamente utilizados no tratamento de doenças como alguns tipos de câncer, como o de mama, gástrico e do osso, os anticorpos monoclonais – produzidos em laboratório mediante técnicas de biotecnologia – também têm alto potencial de aplicação contra o vírus zika. A evidência foi demonstrada em uma pesquisa liderada por cientistas norte-americanos, em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e com a Universidade de São Paulo (USP), publicada nesta quarta-feira, 04/10, na revista internacional Science Translational Medicine. Apesar da técnica rebuscada de produção dos anticorpos monoclonais, a ideia é simples: introduzidos no organismo, eles foram capazes de combater o vírus zika, com alta especificidade em relação a esse alvo.
Os testes com macacos foram baseados no uso de anticorpos monoclonais extraídos do sangue humano, a partir de um paciente em fase aguda de infecção pelo vírus zika. Ou seja: a pessoa estava produzindo anticorpos para combater o vírus e os cientistas precisavam identificar, em meio ao vasto arsenal de imunidade produzido pelo organismo do paciente, quais seriam eficazes contra o zika. Chegou-se a um coquetel com três anticorpos monoclonais. Os testes em macacos mostraram que o coquetel foi capaz de bloquear com êxito a replicação do vírus – as taxas chegaram a 100%.
“O método é altamente promissor para a prevenção de malformações congênitas e efeitos adversos em olhos e membros, uma vez que o coquetel de anticorpos monoclonais poderia ser administrado em gestantes e prevenir a infecção do feto. A literatura científica tem apontado que estas proteínas são extremamente seguras”, enfatizou o líder do estudo, o imunologista David Watkins, da Universidade de Miami. “O trabalho apresenta um importante passo para o desenvolvimento de uma terapia de ação preventiva contra o zika”, completou Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC, também autora do estudo. Brasileiro, natural de Belo Horizonte, o cientista Diogo Magnani, que também atua na Universidade de Miami, é o primeiro autor do artigo.
A engenharia genética como aliada
Para identificar os anticorpos com maior potencial contra o zika, foi necessário percorrer um longo caminho. O primeiro passo foi realizar a coleta de sangue de um indivíduo na fase aguda da doença. Com ajuda da engenharia genética, células produtoras de anticorpos foram identificadas e delas foram extraídos, isolados e purificados 91 anticorpos. Após testes in vitro, em que os anticorpos monoclonais eram desafiados a neutralizar o vírus zika, foram selecionados os três que apresentaram as mais altas taxas de neutralização do vírus: os anticorpos monoclonais chamados SMZAb1, SMZAb2 e SMZAb5.
Os três anticorpos monoclonais foram administrados em um grupo de quatro macacos Rhesus. No dia seguinte, os quatro primatas foram inoculados com o vírus zika isolado em 2016, por Myrna e sua equipe, de uma paciente do Rio de Janeiro. “Para este estudo, utilizamos o vírus que estava circulando no continente e causando uma emergência sanitária internacional. Este fato dá mais precisão aos resultados”, explicou David. Para efeitos de comparação, outros quatro animais, em grupo controle, receberam a inoculação do vírus após a administração de um placebo, com outros anticorpos que não têm ação contra o zika.
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Resultados animadores
Para acompanhar o impacto do uso dos anticorpos durante os testes, foi necessário determinar os níveis de carga viral no organismo dos animais. Para isso, amostras de sangue dos primatas foram coletadas aos 2, 3, e, 7, 14 e 21 dias após a infecção e submetidas à técnica de RT-PCR em tempo real, capaz de detectar e quantificar o material genético do vírus presente nas amostras. Os resultados evidenciaram que os anticorpos monoclonais específicos para zika foram capazes de evitar, em até 100%, a replicação do vírus nos quatro macacos que receberam o coquetel. “Enquanto isso, no grupo que recebeu o coquetel placebo, observamos que todos os animais apresentaram alta taxa de infecção por zika. Ou seja: a infecção seguiu o curso que era esperado”, enfatizou David.
Os especialistas deram um passo além. Em vez de avaliar o êxito da terapia experimental procurando apenas pela presença do vírus, os cientistas também aplicaram testes para detectar a ocorrência de moléculas específicas de defesa do corpo, que são produzidas em contato com algum tipo de microrganismo invasor. Testes sorológicos, aplicados 14 e 21 dias após a infecção, não evidenciaram no grupo que recebeu os anticorpos contra o zika nenhuma resposta específica contra a proteína NS1, produzida em casos de infecção pelo vírus zika. “Se a taxa de produção do antígeno o NS1 foi nula, é sinal de que o zika não conseguiu se replicar no organismo e invadir as celular dos animais”, explicou Myrna. Do mesmo modo, os índices de produção das moléculas IgM e IgG, que indicam se a pessoa já teve contato com o patógeno em algum momento da vida, beiravam a nulidade. “Este outro resultado evidencia que o zika foi completamente neutralizado pelo coquetel de anticorpos monoclonais. No campo científico, denominamos isso de proteção esterilizante, isto é, quando a resposta imune bloqueia totalmente a infecção pelo patógeno”, completou o imunologista.
Testes adicionais demonstraram que os anticorpos monoclonais permaneceram ativos e em altas concentrações por quase seis meses no organismo dos primatas. “Se extrapolado para a realidade humana, este dado mostra que o coquetel poderia ser recomendado em casos de surtos da doença a gestantes, profissionais de saúde e demais indivíduos que precisem estar ou ir até as áreas endêmicas. Com uma dose única, esses grupos estariam protegidos contra o zika. Para as mulheres grávidas, a administração do coquetel teria um ganho extra, uma vez que poderiam seguir a gestação de modo tranquilo, sem a preocupação diária de que a criança pudesse ser infectada pelo zika e ser acometida de disfunções neurológicas”, disse Watkins. “Estudos já descreveram que o vírus afeta negativamente 40% das gestantes”, alertou.
O cientista norte-americano estima que o coquetel estará pronto para ser comercializado em larga escala entre dois e três anos, antes mesmo que uma vacina contra o zika esteja disponível para utilização. Os próximos passos serão a administração do coquetel em primatas gestantes e, em fase seguinte, em humanos.
Já prevendo uma possível ocorrência de reação adversa do sistema imunológico em caso de infecção por dengue, que é da família dos Flavivírus, assim como o zika, os especialistas realizaram pequenas modificações na estrutura genética dos anticorpos monoclonais para tornar sua administração ainda mais segura. Desta forma, o coquetel também poderia ser utilizado por pessoas com histórico de infecção por dengue, incluindo gestantes. “Esta é uma preocupação partilhada pelos grupos que estão trabalhando no desenvolvimento de vacinas para dengue e zika”, explicou David.
A descoberta, que está com pedido de patente depositado nos Estados Unidos, também contou com a colaboração de especialistas do Instituto de Pesquisa Scripps, da Universidade de Emory, dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e do Instituto Ragon.
Fonte: Vinícius Ferreira (IOC/Fiocruz), Edição Raquel Aguiar
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