Curso caro leva ministério a suspender verba para UFSC
BRASÍLIA — O pente-fino feito pelo Ministério da Saúde em programas na área de saúde mental inclui um projeto de ensino à distância da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), cujo reitor, Luís Carlos Cancellier, chegou a ser preso por suspeita de participação em desvios num outro programa de educação à distância. Dois meses antes de sua prisão temporária, Cancellier foi comunicado sobre uma decisão da pasta de cancelar repasses para a universidade executar um projeto de cursos não presenciais relacionados a suicídio.
O ministério concluiu que o valor do convênio — R$ 5,3 milhões — é elevado e decidiu suspender novas remessas de recursos. Até agora, foram repassados R$ 1,6 milhão, e os cursos deverão ser ofertados com essa quantia, segundo decisão de setores da pasta.
O projeto em que houve suspensão de repasses integra uma lista de gastos do ministério em programas de saúde mental considerados elevados ou para os quais não houve comprovação do que foi feito com o dinheiro, conforme o pente-fino feito.
O Globo revelou na edição desta segunda-feira que o ministério oficiou a prefeitura do Rio para que devolva R$ 94 milhões ao Fundo Nacional de Saúde, em razão da falta de prestação de contas sobre o destino do dinheiro, repassado entre 2012 e 2015. As prefeituras de Fortaleza e Juiz de Fora (MG) também foram oficiadas, e terão de devolver R$ 10,8 milhões e R$ 1,2 milhão, respectivamente.
Ao todo, o pente-fino detectou R$ 185 milhões sem comprovação de como foram gastos. O dinheiro deveria se destinar ao funcionamento de centros de atenção psicossocial (CAPS), leitos em comunidades terapêuticas, casas de acolhimento, ações contra o crack e projetos na área. Diante do quadro encontrado, o ministério passou a oficiar municípios para que devolvam recursos.
REITOR JÁ FOI PRESO
O reitor da UFSC foi preso temporariamente pela Polícia Federal (PF) na Operação Ouvidos Moucos, deflagrada no último dia 14. Ele é suspeito de ter participação em organização criminosa que desviava bolsas e verbas repassadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) à UFSC, dentro do programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), que capacita professores da rede pública à distância.
O reitor foi solto pela Justiça Federal no dia seguinte, por não oferecer risco às investigações, segundo a decisão judicial. Ao GLOBO, o chefe de gabinete do reitor, professor Aureo Moraes, negou qualquer vinculação entre o projeto em parceria com o Ministério da Saúde e as suspeitas investigadas na Ouvidos Moucos.
No caso da UFSC, não houve um pedido para devolução de verba, mas um comunicado sobre cancelamento do repasse do restante do valor previsto — R$ 3,38 milhões. A decisão interna do ministério é que os cursos à distância devem ser oferecidos com o que já foi pago.
Medida semelhante foi adotada em relação a um projeto da Fiocruz para desenvolver tecnologias de cuidado e qualificação da rede atenção psicossocial, no valor de R$ 40,8 milhões. Até agora foram gastos R$ 4,5 milhões e, diante da falta de informações sobre a execução financeira, o projeto será suspenso.
OUTROS LADOS
A UFSC sustenta que não houve cancelamento do convênio como um todo. O dinheiro deveria ter sido repassado até 2016 para a execução de três cursos sobre intervenções em episódios relacionados a suicídio, segundo resposta por e-mail do chefe de gabinete do reitor da UFSC. “Para cada curso haveria, em média, a formação de até 1,5 mil profissionais do SUS, totalizando cerca de 4,5 mil vagas disponíveis”, diz o professor Aureo.
O chefe de gabinete confirma que a reitoria foi informada pelo ministério sobre o cancelamento de parte do termo de execução descentralizada, no valor de R$ 3,3 milhões. O dinheiro repassado é suficiente para o curso básico, para até 1,5 mil profissionais de saúde, segundo o professor. Ele nega qualquer relação deste projeto com os cursos à distância alvos da PF. “A citação de prisão temporária do reitor, aliás, já relaxada, não procede para o tema em tela, pois não há qualquer vinculação sobre os fatos que ocorreram no âmbito daquela operação policial”, afirma o chefe de gabinete.
Ainda conforme a resposta de Aureo, o ofício do ministério sobre o cancelamento de parte da liberação dos recursos foi encaminhado à Procuradoria Jurídica da universidade, para uma decisão sobre o que será feito. “A valoração do custo é algo inconteste. Este projeto foi uma encomenda da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde para a UFSC. Somente para a realização do curso semipresencial e dos seminários temáticos e de consenso programados se estimava dispender um total de R$ 1,5 milhão, para passagens, diárias, estruturação dos encontros presenciais e dos referidos seminários”, diz o representante da reitoria. “Não existe relação nenhuma com a operação da PF. Trata-se de um realinhamento do projeto aos interesses e, em especial, da disponibilidade financeira do Ministério da Saúde”.
Em nota enviada à reportagem na semana passada, a Fiocruz afirmou não ter sido comunicada sobre cancelamento do convênio. A seguir, os principais trechos da posição da instituição:
“Até a presente data não houve comunicação oficial à Fiocruz sobre o cancelamento do referido Termo de Execução Descentralizada (TED). No último dia 19/9 houve uma reunião entre a Fiocruz, o coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, a diretora do Departamento de Atenção Especializada, o gabinete da Secretaria de Atenção à Saúde e o Fundo Nacional de Saúde, na qual foi discutido o desenvolvimento do projeto. Visto que não foi repassado o valor total do TED (o orçamento descentralizado para a Fiocruz até o momento foi de R$ 11.500.000,00, porém o valor financeiro efetivamente repassado foi de R$ 4.500.000,00), foi pactuado na reunião que a Fiocruz solicitará prorrogação de tempo para continuidade das ações hoje em curso. O valor repassado até o momento foi utilizado integralmente nas ações pactuadas com o Ministério da Saúde.
Os valores são aqueles praticados pelo Ministério da saúde em diversos outros termos de cooperação e estão em concordância com os parâmetros estabelecidos em lei. Ainda é necessário salientar que o custo TED reflete a densidade e abrangência territorial das ações a serem realizadas, que envolvem todo o território nacional e ações de ensino, pesquisa, capacitações, eventos nacionais e regionais, parcerias internacionais, cooperação entre países e outros, visando a qualificação da Rede de Atenção Psicossocial do Brasil, além de inovações no campo, como é o caso do Programa Direito É Qualidade, que envolve uma parceria com a Organização Mundial de Saúde.
Foram realizadas 12 reuniões com a gestão da Coordenação Geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas nos dois últimos anos. Na última foram apresentadas as ações já realizadas e foi pactuada a prorrogação do TED por 12 meses, com especial interesse nos achados da Pesquisa de Avaliação do Programa De Volta Para Casa, que está em estágio avançado de execução.”
Fonte: O Globo
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