Ciência identifica alterações motoras causadas por doenças neurológicas

18 de dezembro de 2017

Tropeçar ou dar de frente com outra pessoa em uma faixa de pedestre. Esses são alguns exemplos de situações corriqueiras em que é necessário um esforço considerável para cessar o movimento do corpo e evitar se machucar. Para que essa reação de defesa ocorra, é preciso a atividade de no mínimo três áreas cerebrais, segundo cientistas americanos. Os investigadores identificaram a atividade neural responsável pela parada motora brusca e mostraram que milissegundos podem fazer a diferença no sucesso de sua execução. Os achados, publicados na última edição da revista Neuron, também podem ajudar a entender alterações motoras sofridas em decorrência de problemas neurológicos, algumas recorrentes no envelhecimento.

O objetivo principal da investigação era entender o que acontece no cérebro quando se tenta inibir uma ação inadequada ou indesejável sob uma determinada circunstância, como o ato de frear ao se deparar com um sinal vermelho no trânsito. “A questão é quando conseguimos parar, como fazemos isso? O que precisa acontecer para que possamos cessar a tempo?”, conta ao Correio Kitty Z. Xu, ex-aluno de pós-graduação da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, um dos autores do estudo e, atualmente, pesquisador do site Pinterest.

Para desvendar esse mistério, Kitty Z. Xu e os colegas testaram um jogo eletrônico em humanos e macacos. Enquanto eram monitorados neuralmente, os dois grupos faziam um trajeto na tela de um computador e ficavam diante de duas figuras geométricas distintas: uma azul, que significava parar, e outra amarela, que significava ir. Um círculo preto aparecia durante a exibição do vídeo, fazendo com que os participantes movessem os olhos rapidamente para desviar desse obstáculo.

Por meio de monitoramento neural, os pesquisadores observaram que três regiões foram ativadas quando os analisados precisavam realizar as paradas: duas áreas no córtex pré-frontal e outra no córtex pré-motor. A descoberta contraria estudos que mostram apenas uma região como responsável pela tarefa. “Pesquisas anteriores sugerem que a área do cérebro chamada córtex pré-frontal ventro-lateral direito (rVLPFC, em inglês) é exclusivamente responsável pela parada voluntária, ou seja, se você perde a função dessa área em uma lesão ou inativação, essa tarefa não pode mais ser realizada”, explica  Kitty Z. Xu.

Segundo o pesquisador, o estudo conduzido por ele e a equipe sinaliza que essa explicação é muito simples. “Vimos que existem pelo menos duas sub-regiões no rVLPFC ligadas a isso, e que essa tarefa não é exclusiva do córtex pré-frontal.  Quando tentamos parar um movimento do corpo no último segundo, isso requer uma coreografia extremamente rápida entre várias áreas distintas do cérebro”, diz.

Além da necessidade das três áreas do cérebro se conectarem, o sucesso da parada motora brusca depende do tempo, ressalta o pesquisador. “Vamos supor que você esteja dirigindo e se aproximando de um sinal quando a luz fica amarela. Você decide acelerar e passar a tempo. Mas logo depois de enviar essa decisão para a parte do cérebro que moverá seu pé para atingir o acelerador, você percebe um carro da polícia e muda de ideia. Quem ganhará essa disputa? A resposta é: quanto mais cedo você vir o carro da polícia depois de decidir passar pelo sinal, melhor será a sua chance de poder frear e desistir do plano inicial”, ilustra Kitty Z. Xu.

Segundo o pesquisador, em uma situação como essa, se a pessoa tenta mudar de ideia em até 100 milésimos de segundos, provavelmente conseguirá. “Se demorar 200 milissegundos ou mais, terá de manter o plano original. Isso ocorre porque o sinal original emitido pelo cérebro já está a caminho dos músculos e não existe um retorno dessa informação”, completa.

Quedas

Os achados podem ajudar a entender também mudanças que ocorrem em relação ao desempenho motor ao longo da idade. “Sabemos que pessoas com danos nessas partes do cérebro têm problemas para mudar planos ou ações inibitórias”, destaca Susan Courtney, professora de ciências psicológicas e sociais na Universidade Johns Hopkins e uma das autoras do estudo.

Na demência essas áreas cerebrais podem não se comunicar corretamente ou não interagir rápido o suficiente. Isso ocorre, segundo Susan Courtney, porque, quando envelhecemos, o cérebro diminui e leva-se mais tempo para encontrar palavras e tentar fazer mudanças de planos. “Alterações nessa atividade podem ser a razão pela qual os idosos caem mais”, ressalta.

Para a pesquisadora, desvendar os mecanismos ligados à parada brusca do movimento poderá auxiliar a área médica em outras áreas. “Ainda estamos no começo, mas acreditamos que saber mais sobre como o cérebro pode parar uma atividade pretendida também pode ser revelador para aqueles que lidam com vícios”, complementa Courtney.

Multifatorial

Amauri Araújo Godinho, neurocirurgião do Hospital Santa Lúcia em Brasília e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN), acredita que a pesquisa norte-americana ressalta que uma das áreas cerebrais estudadas já havia sido relacionada à capacidade de controle. “A área pré-frontal foi ligada a esse tipo de ação, uma região responsável pelo ‘juízo’. Antigamente, quando não existiam exames de imagem neuronal, muitos pacientes que sofriam com um tumor nessa região do cérebro eram diagnosticados com problemas psicológicos, já que a doença fazia com que tivessem um comportamento inconveniente, e o mais trágico dessa história é que esses tumores eram tratáveis”, ressalta.

Apesar de reforçar a ligação do córtex pré-frontal com a parada brusca, Godinho ressalta que o mecanismo responsável por essa tarefa cotidiana é mais complexo do que se imagina. “São descobertas interessantes, mas devemos acrescentar que outras regiões do cérebro devem estar envolvidas nesse mecanismo. Quando relacionamos também as mudanças que ocorrem com a idade, temos de levar em consideração outros fatores que podem influenciar nas quedas mais frequentes, como alterações na marcha (passos), incontinência urinária e artrose, por exemplo”, diz.

Ainda estamos no começo, mas acreditamos que saber mais sobre como o cérebro pode parar uma atividade pretendida também pode ser revelador para aqueles que lidam com vícios”

*Susan Courtney, professora de ciências psicológicas e sociais na Universidade Johns Hopkins e uma das autoras do estudo


Fonte: Correio Braziliense

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