Suicídio de médicos e policiais
O Setembro Amarelo alerta para o suicídio, um problema de saúde mundial discutido de forma inadequada, para o qual há prevenção em quase 90% dos casos.
Na última década, ele vem sendo manchete, especialmente com a morte de jovens, quase sempre tendo como pano de fundo o uso de drogas.
Mas o problema vai além. Chama a atenção a incidência de suicídio entre médicos e policiais.
Sou médico há 42 anos, e nos últimos três trabalhei como voluntário no Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, dando aulas para policiais das UPP. Essa experiência me deu a certeza de como duas atividades aparentemente distintas compartilham de sofrimentos tão semelhantes. Aprendi muito nesses últimos anos.
Médicos e policiais exercem atividades que exigem constante preparo técnico e controle emocional, lutando durante toda sua vida para que cidadãos não percam a liberdade – em camas ou entre grades-, ou morram.
O tempo para o profissional ficar “pronto para atuar no sol e na chuva” varia, mas é em média de 10 anos após o final do curso de graduação. Ilusão, pois é aí que ele se conscientiza da insensatez de regulamentos rígidos e administradores míopes, que definem o que pode e não pode ser feito. Seguir protocolos, sem questionar a variabilidade dos fatos, é a receita para evitar problemas individuais, pois o “sistema sempre foi assim”. Com tanto sofrimento ao redor e no seu escondido interior, muitos médicos e policiais adoecem, petrificam seus corações ou fragmentam suas emoções.
Alguns não apenas desistem de sua paixão maior, a profissão, desistem da vida. A felicidade a preserva, a tristeza a carrega para longe.
Mas como ser feliz num trabalho sem descanso, sem remuneração adequada, que obriga a realizar constantes serviços extras? Onde encontrar o reconhecimento?
Ter outros interesses fora da profissão, como, por exemplo, tocar um instrumento, pintar, escrever, consertar uma boneca ou um carinho de rolimã, pode ajudar a diminuir a tensão do trabalho, mas, para alguns profissionais, isso pode lhe causar o sentimento de estar “traindo a causa”.
Por outro lado, o “sempre foi assim” seleciona pessoas incapazes de assumir compromissos maiores.
O problema é mundial e constado em inúmeros trabalhos científicos, que demonstram que a incidência do suicídio entre médicos e policiais, é muito maior quando comparada à de qualquer outra profissão, assim como a incidência de descontroles emocionais decorrentes da síndrome do esgotamento profissional – a síndrome de burnout. No entanto, no Brasil, as condições de trabalho deploráveis e a instabilidade social elevam essas taxas, especialmente pela omissão crônica de gestores.
Precisamos de médicos e policiais melhores, por fora e por dentro, e com uma carreia longa e saudável, para isso as corporações precisam criar núcleos especializados e acolhedores, para não continuarmos a assistir profissionais, de uniforme branco ou azul, cada vez mais abdicando de suas vidas.
Fonte: O Globo
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