Sem equipe para abrir leitos de CTI na nova emergência do Hospital de Bonsucesso, médicos têm que escolher quem vive
Na pequena sala de procedimentos da emergência, preparada para receber apenas uma pessoa, funciona uma improvisada sala vermelha da nova emergência do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), inaugurada há duas semanas. Lá, dois pacientes estão sendo atendidos. Um terceiro dá entrada com parada cardiorrespiratória. Recebe massagem cardíaca numa maca, espremida entre outras duas. O médico grita “vou intubar, oxigênio!” e, sem outra opção, retira o tubo que leva o gás para a máscara do idoso deitado ao lado, com diagnóstico de câncer de pulmão. Apesar de todo o esforço, o homem enfartado morre. O oxigênio volta ao paciente, que lutava há meia hora para respirar sozinho.
— Os médicos aqui precisam decidir entre quem tem mais chance de viver — diz um profissional que assistiu à luta do único clínico geral de plantão ontem no setor.
O corpo do morto mal havia sido retirado da sala, num saco, quando outras duas pessoas deram entrada no setor. Agora são quatro na sala vermelha improvisada. O clínico ficou com a responsabilidade de cuidar delas e dos demais 65 pacientes que se dividiam entre duas enfermarias e os corredores, já repletos de macas. No rosto do profissional, que dividia o turno com apenas um cirurgião e um pediatra, o desespero era evidente.
— No corredor da emergência tinham oito pacientes em macas e 59 doentes internados. A maioria em estado grave. Na enfermaria de mulheres, há quatro pacientes intubadas, em uma situação de total absurdo. Encontramos de plantão um clínico, um pediatra e um cirurgião. É necessário que a direção se pronuncie e tome medidas enérgicas e que o Ministério da Saúde promova a imediata contratação de pessoal para a emergência de Bonsucesso — diz o presidente do Cremerj, Nelson Nahon, que esteve ontem no hospital para uma assembleia de emergência convocada pelos médicos.
Seis pedidos de demissão em duas semanas
Trabalhar num ambiente com tantos problemas não é para todos: desde que a nova emergência abriu, seis médicos já pediram demissão.
— Há seis meses, tínhamos cerca de 40 clínicos na emergência. Hoje, são 12. Na terça, um clínico concursado, após ter dado plantão noturno sozinho na segunda-feira, pediu exoneração. São 12 horas tendo que escolher quem vai usar o respirador, quem será monitorado, quem tem mais chance de viver. As pessoas saem dos plantões destruídas — desabafa um dos médicos.
Outro profissional contou que, desde que a nova emergência foi aberta, todos os pacientes intubados morreram:
— Eles não têm o suporte de terapia intensiva 24 horas que deveriam receber.
O Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Ministério da Saúde no Rio informou que a SAS autorizou a convocação de 35 profissionais para a nova emergência. Desde a gestão passada — a direção do HFB foi trocada no último dia 6 — no entanto, pessoas aprovadas no último certame, feito há quatro anos, têm sido procuradas, mas nenhuma aceitou assumir a vaga.
O DGH afirmou ainda que, durante o dia de ontem, uma equipe formada por um clínico geral, dois cirurgiões, dois ortopedistas e dois pediatras, estava trabalhando.
— O ortopedista, o cirurgião e o pediatra não vão atender o paciente enfartado, assim como eu não vou operar um paciente — esclarece um clínico geral que atende no setor.
Déficit de mil profissionais, mostra consultoria
A nova emergência, com 3.500 metros quadrados, segue com as salas amarela (dez leitos) e vermelha (quatro leitos) fechadas desde a inauguração, em 28 de fevereiro. Não há profissionais de saúde para que elas entrem em funcionamento, apesar de uma decisão judicial ter determinado, em outubro de 2017, que a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde contratasse os funcionários necessários.
Levantamento realizado pela direção do HFB, com a consultoria do Sírio Libanês, mostra que é necessário contratar mais de mil profissionais, entre médicos, enfermeiros e pessoal administrativo, para que o novo setor funcione em sua capacidade máxima, atendendo até cem pacientes ao dia. Após apresentar esse levantamento, o diretor Gilson Max Freitas de Araújo foi exonerado. Em seu lugar, assumiu Luana Camargo da Silva, cujo currículo o Ministério da Saúde se negou a informar.
Ao mesmo tempo que os médicos estão pedindo demissão, a demanda aumentou com a abertura da nova emergência. No primeiro dia de funcionamento, em 12 horas, 27 pacientes deram entrada no setor. No segundo dia, mais 64 foram acolhidos. No terceiro, foram 87 doentes em 24 horas.
— Até que decidiram fechar a classificação de risco e o atendimento está restrito a pacientes em risco de vida, mas quem faz essa triagem é a recepcionista e o porteiro, que não têm qualquer preparo para isso — relata um profissional do setor.
O DGH afirma que a nova emergência do HFB está funcionando com a mesma capacidade de atendimento que dispunha antes da mudança para as novas instalações, mas agora em melhores condições de conforto.
Leia mais:
Durante ato público, profissionais da Saúde denunciam caótica situação de trabalho de Bonsucesso
Emergência do Hospital de Bonsucesso funciona, mas sem equipe suficiente
Nova emergência do Hospital Federal de Bonsucesso funciona com falta de profissionais da saúde
Fonte: Jornal Extra
Related Posts
Trabalho Médico – 2024 | Vol. 1 | N° 4
Notícias Recentes
Nota Oficial da Presidente da Fenam
Fenam repudia ação policial contra médicos e profissionais de saúde no Rio de Janeiro
Piso salarial: Fenam cobra celeridade de parlamentares
Lúcia Santos defende carreira médica federal em celebração no Senado
Comentários Recentes
- FENAM e ADAPS avançam na negociação de acordo trabalhista - Fenam - Federação Nacional dos Médicos em Agenda dos Médicos para a Saúde do Brasil
- Quanto ganha um médico recém-formado? em Piso FENAM 2022
- Ademir Brun em Piso FENAM 2022
- Onofre Cardoso Vieira em Quem é o Dr. Gutemberg
- Marco Antonio Manjhon Soliz em Piso FENAM 2022
Arquivos
- novembro 2024
- outubro 2024
- setembro 2024
- agosto 2024
- julho 2024
- junho 2024
- maio 2024
- abril 2024
- março 2024
- fevereiro 2024
- janeiro 2024
- dezembro 2023
- novembro 2023
- outubro 2023
- setembro 2023
- agosto 2023
- julho 2023
- junho 2023
- maio 2023
- abril 2023
- março 2023
- fevereiro 2023
- janeiro 2023
- dezembro 2022
- novembro 2022
- outubro 2022
- março 2022
- janeiro 2022
- dezembro 2021
- novembro 2021
- outubro 2021
- setembro 2021
- agosto 2021
- julho 2021
- junho 2021
- maio 2021
- abril 2021
- março 2021
- fevereiro 2021
- janeiro 2021
- outubro 2020
- setembro 2020
- agosto 2020
- julho 2020
- maio 2020
- abril 2020
- março 2020
- fevereiro 2020
- janeiro 2020
- dezembro 2019
- novembro 2019
- outubro 2019
- setembro 2019
- agosto 2019
- julho 2019
- junho 2019
- maio 2019
- abril 2019
- março 2019
- fevereiro 2019
- janeiro 2019
- dezembro 2018
- novembro 2018
- outubro 2018
- setembro 2018
- agosto 2018
- julho 2018
- junho 2018
- maio 2018
- abril 2018
- março 2018
- fevereiro 2018
- janeiro 2018
- dezembro 2017
- novembro 2017
- outubro 2017
- setembro 2017
- agosto 2017
- julho 2017
- junho 2017
- abril 2017
- outubro 2012
- maio 2012
- fevereiro 2012
- julho 2011
- outubro 2010
- junho 2010