CFM amplia rol de médicos que podem diagnosticar morte encefálica

19 de dezembro de 2017

BRASÍLIA — Uma resolução que será editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) muda o protocolo para o diagnóstico de morte encefálica, quando o cérebro deixa de funcionar antes de o coração parar. Antes, uma das duas avaliações necessárias tinha que ser feita obrigatoriamente por neurologista. Agora, também poderá ser realizada por especialistas em neurocirurgia, medicina intensiva e medicina de emergência. Essa mudança, segundo a entidade, eleva de cerca de 4,5 mil para 9,5 mil profissionais com capacitação para fazer os testes.

Além disso, o tempo para se abrir o protocolo de investigação da morte encefálica foi definido em seis horas, no caso de maiores de 2 anos de idade. Esse é o prazo que o paciente deverá ser monitorado, mesmo que chegue a um hospital com evidências claras de paralisação da atividade cerebral. Na norma anterior, a investigação poderia ser iniciada a qualquer momento.

Por outro lado, o CFM diminuiu o tempo mínimo entre a primeira avaliação e a a segunda, que cai de seis horas para uma hora.

Segundo o neurologista Hideraldo Cabeça, coordenador da Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM, o objetivo da resolução é detalhar melhor os parâmetros para diagnosticar o óbito, dando mais segurança aos médicos e às famílias. Embora a entidade sugira que as novas diretrizes podem otimizar o processo de diagnóstico da morte encefálica, o que elevaria as chances de viabilizar doações de órgãos, essa não foi a razão das alterações, segundo Cabeça.

— O CFM se preocupou com o diagnóstico seguro de morte encefálica. Quanto vai modificar em relação aos transplantes, não foi nossa principal observação. Já era seguro, mas estamos trazendo ainda mais segurança — afirmou o neurologista.

Mudanças sobre morte encefálica apresentadas pelo Conselho Federal de Medicina:

Tempo de observação antes de abrir o protocolo para investigação da morte encefálica
Como fica: Mínimo de 6h
Antes: Não Tinha

Intevalo mínimo entre as duas avaliações clínicas obrigatórias
Antes: 48 horas (pacientes de 7 dias a dois meses incompletos), 24 horas (de dois meses a um ano incompleto), 12 horas (de um ano a dois incompletos) e seis horas (acima de dois anos).
Como fica: 24 horas (pacientes de sete dias a dois meses incompletos), 12 horas (de dois meses a 24 meses incompletos) e uma hora (acima de dois anos)

Formação dos médicos que fazem a avaliação
Antes: Um dos dois médicos tem que ser neurologista (o que foi modificado por decreto presidencial de outubro deste ano, que deixou em aberto)
Como fica: Um dos dois médicos tem que ser formado em uma das seguintes especialidades: neurologia (inclusive pediátrica), medicina intensiva (inclusive pediátrica), neurocirurgia ou medicina de emergência.

TAXA DE DOAÇÃO AINDA É BAIXA

Luiz Antonio Costa Sardinha, membro do Comitê de Morte Encefálica do CFM, também evita dimensionar as consequências das regras na rotina de transplantes no Brasil, mas admite que as mudanças poderão diminuir a duração do processo de confirmação do óbito, com reflexo nas doações. Ele explica que a obrigatoriedade do neurologista e do tempo de seis horas entre as duas avaliações, num país grande como o Brasil, atrasa o diagnóstico da morte, quando os orgãos ainda estão saudáveis.

— Vimos que esses procedimentos prolongavam o sofrimento da família sem acarretar maior segurança. Demorava para fazer o diagnóstico, demorava para falar com a família e potencialmente perdia o doador — diz Sardinha.

Outro conselheiro do CFM que trabalhou na nova resolução, Jefferson Piva, destaca que, além da agilidade no diagnóstico que aumenta as chances de doação de órgãos, ter parâmetros mais bem definidos leva a uma comunicação melhor entre equipe médica e familiares:

— Se os médicos se sentirem mais seguros em fazer esse diagnóstico, ele transmitirá mais segurança para as famílias.

Dados comparativos apresentados pelo CFM apontam que a taxa de doação de órgãos no Brasil ainda é baixa: 16,2 por milhão de habitantes. Na França, o índice é de 28,1; nos Estados Unidos, de 28,2; e na Espanha, de 43,4. Em 2016, ainda conforme a entidade, foram realizados 14.641 transplantes de córneas, 5.492 de rim, 2.362 de medula óssea, 1.880 de fígado e 357 de coração.

Jefferson Piva afirma que a “epidemia da violência” no Brasil também acentua a necessidade de atualização das diretrizes da morte encefálica. Segundo ele, as emergências estão cada vez mais abarrotadas de baleados, vítimas de acidentes, entre outros tipos de agressão, o que eleva também a ocorrência da paralisação total da atividade cerebral, que caracteriza a morte.

— O diagnóstico de morte encefálica é absolutamente necessário hoje só pela epidemia de violência que temos no país. Cerca de 60 mil pessoas morrem por ano no trânsito, mais 60 mil por arma de fogo e outros acidentes — diz Piva, acrescentando: — Com a capacidade de atendimento que temos, você põe no respirador, mantém a circulação, chega uma hora que é obrigatório saber se está vivo. É uma necessidade no mundo todo. Não se justifica, do ponto de vista ético, médico e nem econômico, deixar uma família sofrendo com alguém que já morreu. E esse é um diagnóstico de certeza absoluta, não tem chance de erro.

DECRETO MODIFICOU SISTEMA DE TRANSPLANTES

Apesar de ter incluído outros especialistas, além dos neurologistas, no rol de profissionais obrigatórios para fazer um dos testes de confirmação da morte encefálica, o CFM definiu melhor o perfil do outro examinador. Nas regras anteriores, não havia requisitos. Agora, poderá ser médico de qualquer especialidade, desde que tenha uma capacitação específica ou experiência de um ano no acompanhamento de pacientes em coma com ao menos dez determinações de morte cerebral ou acompanhamento dos casos.

As novas regras atualizam resolução editada há 20 anos pelo CFM. Mas muitas das alterações anunciadas só foram possíveis após um decreto do presidente Michel Temer, publicado em outubro deste ano, que modificou o sistema de transplantes no Brasil. Nessa norma, por exemplo, o governo federal deixou em aberto a formação dos dois médicos que devem diagnosticar a morte encefálica, retirando a obrigatoriedade anterior do neurologista. Sem essa previsão na lei, o CFM pode estipular outras diretrizes em sua resolução.

Fica mantido o exame complementar para fechar o diagnóstico de morte cerebral, que pode ser angiografia cerebral, eletroencefalograma, doppler transcraniano e cintilografia. Os parâmetros clínicos para se iniciar o protocolo de confirmação da morte encefálica foram mais bem definidos, segundo o CFM. A entidade diz que determinados requisitos estavam de forma genérica na resolução anterior, como a temperatura do corpo do paciente. Antes, não havia especificação. Agora, o critério é superior a 35°C.



Fonte: O Globo

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