PEC 32: danos para a Saúde
Uma coisa é certa: a PEC 32, que trata da Reforma Administrativa, precisa ser aprimorada. Da forma como está, os danos para a saúde pública e os servidores médicos serão irreparáveis.
Seminário realizado pelo Sindicato dos Médicos de Minas Geras (Sinmed-MG) no último dia 5 foi uma oportunidade ímpar de trazer à tona temas de grande relevância abordados por um seleto grupo de convidados. Foram palestrantes: Cristina Andrade Melo, procuradora do Ministério Público de Contas de MG, bacharel em Direito e mestre em Direito Administrativo ; e Mariana Lobato, sócia da Braga Lobato, especialista em Direito Público, membro da Comissão de Direito Médico da OAB, assessora Jurídica do Sinmed-MG.
Em seguida, foram conclamados a comentar o tema, o que fizeram com grande pertinência e conhecimento: o presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Gutemberg Fialho; o deputado federal Lincoln Portela (PL-MG), membro da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público e membro titular da Comissão Especial da PEC 32; e o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), vice-líder do PT na Câmara dos Deputados, coordenador da Frente Parlamentar Mista do Serviço Público e membro titular da Comissão Especial da PEC 32. O evento teve como mediador o diretor Jurídico Associativo do sindicato, Marconi de Moura.
Aprimoramento é necessário, a PEC 32 não
Ao abrir o seminário, Jordani Machado, diretor-presidente Sinmed-MG, ressaltou que o objetivo do evento era trazer para a luz dos esclarecimentos jurídicos um tema que tem sido tão discutido na atualidade : “A PEC 32 proposta pelo governo representa grande alteração nas regras do funcionalismo, e a partir da sua promulgação poderá gerar um efeito dominó em todos os entes federativos”. Destacou que aprimorar a estrutura do Estado e os serviços prestados á população é sempre necessário, mas também afirmou: “a reforma proposta não apresenta medidas efetivas para atingir esses objetivos, além de trazer novos problemas.”
Veja as visões dos convidados sobre a proposta:
“Na justificativa da PEC, o ministro Paulo Guedes diz que a proposta é pensar num novo modelo de serviço público, mais ágil e eficiente. Diante desses objetivos, chama atenção que a PEC tenha focado majoritariamente no servidor público, retirando garantias da sociedade e não entregando o que ela promete.
Seguem algumas críticas ao modelo proposto: retirada da estabilidade para carreiras não típicas de estado, que encontram correlato da iniciativa privada, como professores e médicos. Fazer isso significa matar o paciente em vez de tratar da patologia. A estabilidade não é um privilégio para o servidor, e, sim, uma garantia para a sociedade que o serviço público será prestado com imparcialidade, continuidade e sem interferências políticas. Não se pode pensar no serviço público com a mesma lógica do privado.
A estabilidade é vista como a grande vilã do mau funcionamento do serviço público, mas existem mecanismos no ordenamento jurídico para flexibilizar a regulamentação. Ao invés de tratar dos problemas que decorrem da estabilidade estão querendo acabar com ela. Existem problemas com os instrumentos que possam servir de “remédio” para quando a estabilidade não funcionar bem, mas esses instrumentos precisam ser revistos e ser objeto de reforma, e não a estabilidade em si.
Considero também um retrocesso para o serviço público a ampliação dos cargos de liderança, que nada mais são que cargos de comissão, agora com funções gerenciais e até técnicas. A PEC não estabelece limite, o que pode levar a termos mais cargos de liderança do que efetivos, em cada legislatura. É um grande retrocesso na profissionalização do serviço público.”
Da forma como foi apresentada, a PEC 32 não atende os objetivos propostos. A exposição de motivos da PEC sustenta metas que não são resolvidas no texto da proposta, muito pelo contrário. Resumo metas da exposição de motivos: modernizar o Estado, aproximar o serviço público da realidade do país e garantir prestação de serviço público de qualidade. Eu convido vocês a refletirem comigo se o que está sendo proposto oferece ou sinaliza algum avanço ou melhoria para o serviço público ou para o estado.
Destaco alguns pontos sensíveis na PEC 32: Forma de ingresso no serviço público e vinculação. A PEC altera as maneiras de relação do postulante a uma vaga no serviço público e do próprio servidor, pois traz diversas formas de vinculação do trabalhador à Administração: cinco tipos de vínculos com a administração pública: vínculo de experiência, como espécie de etapa de concurso público; vínculo por prazo determinado (contratos temporários); cargo com vínculo por prazo indeterminado (com a retirada da estabilidade); cargo típico de Estado; e cargo de liderança e assessoramento.
Ainda que o concurso continue sendo a forma de ingresso para ocupar cargo e emprego na Administração Pública, vejo como negativa a criação do vínculo de experiência que notadamente promoverá distorções entre os profissionais. A Administração irá conferir informações e dados sensíveis para execução de políticas públicas àquele que está sob o vínculo de experiência? E esse pretendente a servidor se submeterá a realizar atividades que possam lhe colocar em risco no que diz respeito a conseguir a condição de servidor? A PEC perde a oportunidade de regrar melhor vínculos por prazo determinado; cria cargo típico de Estado sem definir quais serão esses cargos, dependendo de regulamentação futura, cria o vínculo por prazo indeterminado retirando a estabilidade do servidor efetivo. E o pior, facilita o acesso para cargos de liderança e assessoramento e confere função técnica para esses cargos.
Entendo que o atual texto ao diferenciar esses vínculos, especialmente na concessão da estabilidade, sedimenta uma estrutura contrária à transparência do serviço público, bem como na atratividade do profissional em sua vinculação. A multiplicidade de vínculos é contraproducente se considerados os princípios da Administração, e, sob o ponto de vista do trabalhador, promove sua pulverização do entendimento de pertencimento a determinada categoria, com regras as quais estará sujeito e condições de trabalho diferentes, fragilizando o serviço público.
Outro ponto relevante diz respeito a aposentadoria do servidor. Hoje todos os servidores efetivos detentores de cargo público vinculados a um Regime Próprio de Previdência têm a garantia de permanecerem nesse regime próprio. Com a nova proposta, os servidores que se vincularem a um ente público ou entidade da Administração indireta, por meio de vínculo por prazo indeterminado, poderão, se editada lei complementar no prazo de dois anos, serão submetidos ao regime geral de previdência. O que isso significa? Mais insegurança para o pretendente a servidor público, menos incentivo para o trabalho público; possibilidade de esvaziamento dos regimes próprios, redução de investimento a esses regimes e, consequentemente, prejuízo para os atuais servidores.
O que mais nos preocupa é a situação do sistema de saúde que já é subfinanciado e sofre de vários problemas, como baixos salários, más condições de trabalho, ausência de um plano de carreira. A cada dia diminui o interesse dos profissionais para ingressar no SUS, e com uma reforma administrativa nesses moldes a situação tende a se agravar mais ainda com a precarização dos vínculos.
Qual o conceito dessa reforma? Na cabeça do (Ministro) Paulo Guedes vale a lógica de mercado. Ele quer penalizar os servidores. Ele também faz um discurso em cima dos privilégios, mas os grandes privilegiados não serão atingidos. A população precisa entender que nem todos os servidores públicos são iguais ou ganham igual.
Esse não é um problema do serviço público, mas de gestão pública, que precisa ser melhorada, aprimorada. Pelo que vemos o setor privado vai responder pela maior parte do atendimento de saúde no país, e isso me preocupa. A preocupação com o SUS é exatamente essa: a terceirização, a precarização do vínculo empregatício, das condições de trabalho, com a falta de interesse dos profissionais em ingressar no serviço público, e seus efeitos na assistência prestada à população.
Considero, também, que se acontecer o que o (Ministro) Paulo Guedes prega – a absorção cada vez mais do sistema de saúde pela iniciativa privada –, o prejuízo para os cofres públicos vai ser bem maior. Então eu não vejo nem do ponto de vista de vínculo empregatício e avanço de economicidade nenhuma vantagem.
Na realidade, tudo isso que está acontecendo é muito novo para o Brasil, e tudo o que é novo gera uma neofobia, que é o medo de coisa nova. Sabe-se lá o que essa coisa nova pode estar trazendo em seu bojo ou de benefício ou de malefício? É exatamente por essa razão que eu fiquei na titularidade da PEC 32, e estive ali ouvindo, pedindo audiências públicas, e vendo o que estava se passando tanto na CCJ (onde sou suplemente) como na PEC 32.
Nós estamos chegando com força nessa PEC, com consciência, com coerência, e não esfacelados. O que estou fazendo é ouvir os segmentos, para ver onde vamos chegar, por que muita coisa ainda vai ser mudada nisso. Todo governo quando apresenta um projeto polêmico traz muita gordura e esse projeto da PEC 32 está assim. O Poder Executivo já faz isso para que essa gordura seja queimada, nas comissões, no plenário. Então, por certo, as águas que estão um tanto turbulentas por agora vão começar a baixar à medida que várias emendas forem acatadas, a partir do momento que tudo se tornar mais claro, mais nítido para a população brasileira.
Reconheço, claro, a importância de preservar as carreiras da saúde. A gente sabe o quanto os médicos lutam, não apenas agora com a pandemia, e quanto é necessário o cuidado com a categoria, com aqueles que cuidam de nós. Vamos trabalhar para que a PEC 32 não seja um retrocesso para os princípios do SUS. Isso é fundamental. O SUS é um exemplo para o mundo todo e esse sucesso depende da universalidade, da integralidade, de parcerias. Saberemos cortar um pouco dessa gordura, enxugar um pouco mais o texto, deixá-lo mais racional, mais lógico para a área de saúde que está muito sacrificada no Brasil.
A PEC vai pegar o andar de baixo dos servidores. O andar de cima já foi retirado (Ministério Público, militares, deputados federais etc). Na proposta, a estabilidade no serviço público ficará restrita a carreiras típicas de Estado, que serão definidas por uma lei complementar. Profissionais da saúde e educação, por exemplo, não são carreiras exclusivas do Estado e possivelmente não entrarão nessa lista. O mínimo que o serviço público poderia oferecer a esses profissionais seria aprovação por concurso, plano de carreira, estabilidade, e isso tudo foi retirado.
A alma da PEC não é uma reforma. Reformar significa fazer melhorias: o que podemos mudar para aprimorar o funcionamento do serviço público, do SUS? Existem problemas na estabilidade e na avaliação de desempenho, então vamos regular corretamente para que isso não aconteça. O que fazer para valorizar os servidores? Como prepará-los para o pós-pandemia?
Nesse caso, em vez de uma reforma, o ministro Paulo Guedes mandou “derrubar a casa” e a construção de um novo modelo, em que o Estado será apenas subsidiário na prestação do serviço público, será secundário. Primeiro, nós teremos a prestação de serviços pela iniciativa privada, depois entra o estado. Se essa é a alma da PEC, o servidor público é um empecilho, então precisa ser atacado em seus direitos.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, foi incisivo ao declarar que a PEC 32 será votada ainda em agosto na Câmara, em resposta aos pedidos de adiamento da sua tramitação. É bom que vocês saibam disso porque as mobilizações precisam ser feitas com muito vigor e rapidamente. Se não fizermos o convencimento para que os deputados saibam que não queremos a aprovação dessa PE , se não fizermos, claramente, pressão nesse sentido, essa proposta será aprovada, como foi a privatização dos Correios e da Eletrobrás. A PEC 32 é a privatização da prestação de serviço público. Então, com toda a sinceridade, eu digo que essa mobilização será fundamental para que possamos sair vitoriosos nesse processo.
Fonte: Sinmed-MG
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